terça-feira, 31 de março de 2009

“O significado da palavra complexidade”


Há horas tantas eu cá com meus botões. Isto deveria iniciar-se assim meio subjetivamente. Mas eu sou tão grotesca com as palavras. Ah, eu e minha boca grande. Daí alguém me sussurra no espelho:
- “não tente mais, basta”.
Eu páro. Um tempo do tempo, no espaço do mundo. Respiro. Só uma tragada deste ar solidário. (Posso sentir ele se arrastando por entre as narinas, tão confiante a me encher os pulmões quase despercebidamente). Mas a pergunta que me sonda a mente é tão irritante e peculiar:
- “O que você vê quando se olha no espelho?”
Mais um tempo. É só ele de novo: o silêncio. ...E minha consciência.
- Droga, deixa eu pensar. Pensa Michella. Pensa, guria. Tá ok. Eu... bem.. eu ...
- “Vão pensar que você é indecisa”
- É verdade. Pensarão. Mas não é isto que quero que pensem?
- “É?”
- Isto tem que ser mesmo um monólogo? Você poderia ser menos idiota?
- “Sai pra lá. Não me venha atalhar com essa pose de guria inteligente. Você está só aprendendo. E, na maioria do tempo, isto não significa nada”
- Significa que eu sou uma garota estúpida.
- “Não exatamente. Mas você chega lá.”
- Adoro meu próprio senso de humor.
Olhos azuis me fitam. A sobrancelha sobe e desce, a boca desenha um riso debochado. Estou inquieta, percebo ao olhar-me no espelho.
- Tá, eu não quero me dilacerar quando tudo que tenho é meu reflexo a me encarar zombeteiro.
- “droga de realidade, heim? Eu só posso lhe assegurar uma coisa. Você se manterá afastada daquela Juca.”
- Como pode me garantir isto?
- “Ora, não sou eu você mesma enlouquecendo e tagarelando sozinha na frente do espelho?”
- Bem, você tem razão. Eu quero mesmo é fazê-la pensar. Mas está mais difícil que andar pra trás com os olhos vendados. Jesus, Maria e José, é difícil me comunicar com as pessoas.
- “A escolha é sua. Você sempre opta pelo mais difícil”
- Tipo, eu acho incrível a forma como nossas vidas se encaixam em alguns pontos. Mas eu sei que isto não basta. Sabe o que ela me disse hoje?
- “Quê lhe disse ela?”
- Que sou complexa demais.
- “E de que forma você retrucou?”
- Não retruquei.
- “Sábia escolha”.
- Eu queria tanto que ela enxergasse a mensagem. Mas te confesso uma coisa...
O reflexo no espelho abriu e fechou a boca, impaciente. Engoli em seco. Mexi no cabelo desajeitadamente. Quando soou a voz, era eu quem falava. Eu acho.
- Temo.
- “teme o quê?”
- Temo não ter nada a dizer.
- “Explique”
- Temo não saber me expressar. Ora bolas, você mais do que ninguém sabe como sou desastrosa com as palavras!
- “Ei, relaxa. Se não funcionar... vai ser só mais uma. Você já viu tanta gente partindo mesmo”.
- Bem, eu...
- “Desembucha”
- É que eu não queria que ela fosse mais uma.
Silêncio. E havia o ar. Rasgando-me por dentro agora.
- Droga. Esquece isso. Você não ouviu isso.
Silêncio.
(...)
- Você pode falar comigo?
(...)
- Hei?!
Nada. A não ser a minha mesma forma coçando a cabeça desajeitada. Os olhos azuis estão cansados, quase se fechando. Sei que preciso tentar dormir.
- Droga. Este espelho está todo sujo. E eu sou uma idiota.
(...)
Antes de apagar a luz e deitar-me na cama, uma pequena consideração final:
“complexidade: intrincamento; emaranhamento.
Complexo: Intrincado, emaranhado, difícil de solução, recalque que se manifesta por associação emocional de fatores mentais que se subtraíram ao governo consciente, mantendo existência particular, perturbando ou estimulando as realizações conscientes...
Não creio que eu seja complicada nem complexa, mas tenho certeza de que crio esta esfera de complicação espontaneamente. Às vezes é sem notar, e às vezes é na esperança de tocar a alma da pessoa que está do outro lado... pra ver se ela, de alguma forma, resolve o nosso problema...”
(ass.: Eu agridoce)

"Saudade que fica, se eu for embora... não sou mais eu"

Ela me olhou nos olhos, a saudade.
Eu poderia dizer que era alta, magra, cálida. Que tinha os cabelos avermelhados e a pele parda ou que era fascinante e dócil e perturbadora ao mesmo tempo. Como o vôo rasante de uma ave de rapina. Mas a verdade é que isso não importava, o fato é que ela estava bem ali. E aqui, por dentro.

Não demorou para insinuar-se por sobre mim, com suas mãos suaves e frias feito uma sombra tênue de inverno a me roçar a face. Eu quase corei, mas contive a todo custo. Apenas sorri em respota um riso melancólico. Eu estava entregue, eu sei.

Ela me olhou nos olhos, a saudade. E logo me esparramei em seus braços sentindo-me um desastre humano. Por que é que desastres combinam tão bem com os humanos?
(...)
Foram muitos minutos, talvez um terço de hora. Ela não me disse uma só palavra, é sério. Em vez disso, empurrou-me um embrulho carregado de sentimentos que cheirava a lembranças engalfinhadas. Quando o abri, sorri e chorei.
Emudeci.
Gritei.

Ela sempre faz isso comigo. E não é que eu não goste dela - eu gosto e muito -, mas ingrata que sou, às vezes reclamo do presente.
Acontece, minha gente, que ela estava ali a me encarar de frente. Estava por todos os lados e não faltava muito para eu desaparecer em seus braços.
E eu me dissolveria sem sombra de dúvida.
Quase.
Inevitavelmente quase esqueci-me de que estava rodeada de pessoas no terminal. E o quase, minha gente, representa um bom pedaço de sorte do qual desfrutei naquele instante.
Havia lá aquele burburinho animado dos finais de noite, de pessoas falando ao celular, das novidades saltando de lábios vorazes até ouvidos quase distraídos de jovens cidadãos. Os rostos apressados virando pra todos os lados, o barulho dos passos, dos motores das pessoas a todo gás. A engrenagem humana é de todo fascinante, juro. E havia meu ônibus parado, esperando pacientemente apenas mais três minutos. Três minutos!
Ah, eu precisava ir para casa. Fiz menção de levantar-me.
Foi aí que ela, a saudade, me puxou pelo braço sorrateira. Fez cara feia, bonita de se ver.
Eu apreciei aquele momento de duas maneiras simultaneamente:

1- patética e submissa àquele vício;
2 - cheia de atitude pra ir embora.

Era uma escolha a ser feita. A gente sente o cheiro de uma escolha quando ela se aproxima. Tem cheiro de dúvida misturada com decisão.
Daí eu torci o nariz e ergui a cabeça decidida. É, eu cheguei até a sorrir para o semblante da saudade, mas a essa altura ela já tinha soltado meu braço, perplexa.

Prostrei-me de pé, ajeitei a mochila no ombro, dei meia volta e lá a deixei sozinha. Sem nenhuma palavra: eu pago na mesma moeda.
Só me lembro de que quando entrei no ônibus, desejei tolamente que ela, a saudade, pudesse de alguma maneira provar do próprio veneno...