terça-feira, 15 de março de 2011

Quem é o inimigo, quem é você?


Quando eu termino e tu começas, esse discurso tão bem ensaiado, somos dois protagonistas desarmados, vivendo dos nossos falsos amores e bens-querer.
E quando tu, distante e perplexo, observas os meus passos sumindo nesse horizonte nebuloso, calculo que não é o bastante para cobrir esse nada que fica aqui, quando te deixo só, para estarmos a sós, sem esses corpos em conflito constante.
Como não bastasse essas  falas, explicas a sentença usando essas palavras doces, a frieza em voz de veludo, deixando meu corpo em estado febril, e mentes, dissimulas, argumentas as tuas agressões, as discussões, as temporárias afinidades entre esse meu ir e vir de lugar nenhum em tua companhia, uma lembrança que é irrefutável agora, que vai assombrar por um longo tempo. Culpas a mim e aos que a mim se uniram, extrapolas a razão usando um falso sentimento que já não te cabe mais. Ouço tudo atentamente, tendo o cuidado de não te contrariar, para não gerar motivo de perguntas retóricas nessa torrente que salta da tua boca para a minha, em profusão.
Então prossegues, discursas, aumentando a escolha das palavras, contracenas tão bem.
Discursando, não te escapas de mim porque não o percebes, mesmo não o querendo, te rendes momentaneamente e és meu, em redenção a esse sofrimento da impossibilidade de sermos dois, pacíficos embora esgotados.
Mas te empenhas em erguer estas barreiras, manténs o erro destas mesmas limitações que levei dois anos para pôr abaixo. Estás te engrandecendo por nada, ou por mais um punhado de falsas verdades e te acreditas correto e justo nesse teu mundo de significações. Temo por ti, por esses olhos fechados e essa boca entreaberta, temo em grande parte, porque nesse ocaso dos meus diálogos desgastados, já se me escapa o dia em que te encontrarei sorrindo e delirando de saudades,  cheia de vontades por nossos desencontros certeiros; e dizendo que já não me ouves, explicando-te pacientemente que a comunicação tornou-se impossível entre nós, confesso-te antes de pensar em ficar, que já é tarde demais para falsas desculpas, que já não compensa mais um beijo nesses lábios de Judas que tens.

sexta-feira, 4 de março de 2011

sobre tudo e nada.

É verdade que ainda não desfiz teus passos pelo quarto. Ainda não recolhi a roupa que foi tua temporariamente, não juntei teus cabelos caídos, ou expulsei teu perfume que teima em presença sobre o travesseiro e me debocha.
Ainda não desfiz essas malas de idéias, nem de horrores dessas brigas tão inúteis. E tampouco abri a janela pra espalhar esse meu desassossego que me mutila minuto a minuto. Não lavei essa minha cara de desordem, nem tirei teu gosto do que me é mais íntimo no corpo - algumas marcas viram tatuagem, não é?
Quando você se foi fiquei como que estável, paralisada nessa minha rotina de não-você por todos os cantos. Hoje, estática, escolho entre pontuar essas linhas ou lábios vivos mais dóceis.

Não é de ti que advém a decisão, mas da minha dor que a cada dia se espalha por todos os nervos do corpo e me impossibilita. Os meus lábios tremem de novo, cada vez que sem ti, nessa impossibilidade de tornarem-se um elo, se retraem tímidos em sua contrariedade e me causam esse misto de medo e compaixão.

Para não virar escárnio de minha própria condição imaginária, eu os devoro. Com essa mesma dor que hoje tu, ausente, me causas, devoro os meus lábios em bocas alheias.