quarta-feira, 27 de julho de 2011

Paradoxal ou confissão ou vacilar

   Escrevo um livro ao passo que enquanto escrevo, nada é realmente escrito. Está tudo aqui, na ponta dos dedos à espera do papel, mas como é difícil organizá-lo, como é substancial que toda essa pausa em não escrevê-lo regularmente é cada vez mais imprescindível para a existência desse livro. Paradoxalmente nada é escrito, novamente afirmo, nada é deixado no papel dias a fio.

   Uma vez mais acendo um cigarro, eu que já havia deixado de lado o tabaco torno a tragar, fumando distraída procuro pelo café. Trôpega, vacilo entre os verbos e os cigarros acesos. Este rito já me transformou em subproduto do livro, já me tornei subjugada por essa estória que, dentro do tempo de acontecer, não acontece.
   Mas torno a escrever e a fumar, quase sempre torno a fumar. Abandono a escrita. Ando a passos curtos nesse quarto que me aprisiona porque não tenho para onde levar um livro que não existe e que contraditoriamente me pesa nas mãos. 
   A impaciência me faz andar também pela cidade. Às vezes ando por essa cidade como se realmente não a conhecesse. Paro em becos desconhecidos, traço palavras nas paredes como se fosse dessa condição a vândala, a depredadora do patrimônio público, do livro que não acontece. É tudo poesia. Uma vez no quarto volto a escrever o livro, uma vez mais acendo um cigarro, nunca concluo um capítulo, às vezes não fumo o cigarro até acabá-lo, parece-me evidente que nunca concluí de fato uma frase de impacto na vida, tamanho o efeito que a ausência do livro me causa.
   Por um tempo esqueço esse livro, essas palavras selecionadas, sem fazer conjeturas. Está mesmo um dia bonito aí do lado de fora, torno a sair, a andar a esmo como quem escreve sem ler o que está escrevendo. Então retomo a escrita sorrateiramente e o livro vai se tornando sólido nesse paralelo de não existir.
Frequentemente este ciclo se revive, estou à mercê do livro imaterial.
Vê? De algum modo já me tornei personagem desta narrativa.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

inverno

Menina, junta estes cacos aos teus pés. Vamos cola-los de novo.
Menina, junta estas pétalas das últimas algazarras, faz um vaso de flor.
Deixa essa dor desprender do peito, para não doer à toa nas esquinas da vida.
Espalha pelo quarto essa vontade reinventada,

                                          Pinta o teto de azul.

Esquece das palavras de angustia
e lembra que é sempre frio no inverno,
                                       quando se sai sem amor.