terça-feira, 18 de dezembro de 2012

La Couleur des mots


Se tens hoje este céu acinzentado te cobrindo como tenho os olhos meus, também sabes dize-los como digo eu : lembro-me desse rosto, dos finais de tarde refletidos nele, a luz que hoje nos falta nesse frio que sobressai.
Lembro-me agora perfeitamente de ter tomado estas mãos macias sob as minhas, de tê-las aquecido na margem do rio, de tê-las feito rosas de calor, de tê-las beijado e muito, e tantas vezes. Lembro-me do cheiro, é verdade, do cheiro que esse outono tinha e que impregnou a roupa que eu vestia.
Das palavras que não foram ditas também lembro, é delas que hoje falo, porque sua cor está esmorecendo e eu preciso pinta-las de novo, como uma verdade eterna.

Vou te dizer porque sempre te digo, mesmo não falando, te direi então que este meu mundo é todo teu, que também esta distância é tua, que tu estás acima destas coisas, destas pausas, destas indas e vindas. Digo-te de novo e sempre, som alto no vento, que é de ti que vem a poesia saindo dos meus lábios, que já eram tuas todas as minhas palavras antes de eu saber uni-las no papel, e que para mim elas sempre tiveram duas cores, como dois corpos de luz que destonam um ao outro quando insistem em ser dois, através de meios que hoje não te explico, mas que tu sabes bem e podes dize-lo à vontade por aí.
Escolhi hoje para ti esta manhã que é cinzenta, que representa a cor mais neutra entre nós nos tempos mais recentes, porque precisava te mostrar que ainda assim a estação é a mesma em mim, que ainda sinto as cores alternando entre esse cinza lá de fora e que tenho a mesma vontade por pinta-las nas paredes em ruas desconhecidas, que mesmo que insistas em passar por elas sem ver, já tens estas palavras guardadas como se eu as te tivesse entregue de antemão, porque agora te explicando mais uma vez, te digo que és toda a cor delas para mim.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

aquilo que liberta.

É quando me esforço pelo próximo, quando vou além do que consigo dar, sem entremeios nem satisfações, com esse desprendimento que antecede o ato de jamais receber nada em troca ou sequer o contentamento pleno por fazê-lo que dure do início ao fim da noite, que vejo quão impossível ainda é para um humano reconhecer a dificuldade além da que cada um sente.
Desmotiva-me esta realidade. Discursar é ainda para os desacordados, os histéricos e donos de sua própria verdade inventada. Quando mais me tomam por conhecidas as coisas, quanto mais prepotência percebo nos olhos dos que dizem que podem ajudar sem esperar a troca, mais o silêncio me veste divinamente e liberta, mas é uma liberdade dolorida de aceitar, se fazer entender, aceitar simplesmente.
Então, nesses momentos de desacordar, com uma insônia que parte e que vai além dessa dificuldade que me é humana, assumo que se tivesse mais hoje do que me foi dado (não dado), estaria muito mais desacordada do que agora, que esses meus olhos repletos de humana ignorância embora não ardessem tanto se eu pudesse partilhar do prazer de dormir, de me desfazer de um cansaço quase que existencial, me cegariam com privilégios embotados, e eu estaria sem essa consciência sombria, como que morta.

sábado, 13 de outubro de 2012

o amor é longe.


quanto do que é falado é realmente ouvido?
eles falam gesticulando,
os braços agitados, os cabelos caindo.

E esses olhos pesados.
deles a cor amarelada recobre o brilho,
deixa opaca toda a cena,
feito chuva amuada de domingo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

.

já o corpo pesa do contato, lacerado assim, perambulando assim, caindo vagaroso, rendendo-se ao tempo e ao frio noturno. E o cansaço a que este corpo se inclina. O cansaço da existência, de tudo que conduz para portas que são fechadas soturnamente.
Mas este corpo arde feito fogo insano, e o fogo corrói os resquícios que eram mantidos com muito afinco, com todas as boas palavras da lembrança que agora escapa.
Já vai indo a garota que chorou um rio e quase se perdeu nele. Com muito custo diz Nunca mais, até nunca mais.
Regida por sua sinceridade magoada, espera não ouvir falar dela, nem vê-la, não mais toca-la nem querê-la, nem ter dela esse destino torto e despedaçado, a visão turva ou um poema inacabado, uma vontade que não é dita.
Quer apenas soltar-se dessa dor, essa ardência no peito. Quer largar ali sobre a ponte ou jogar-se dali para a imensidão das águas escuras.
Quisá o contato dessa água leve embora a dor, ou traga alguma leveza para esta que aí estacionou na vida.

- Distância é pra ser ouvida, entendeu? tem que entrar mais firme que essa pontada no peito, tem que rasgar mais fundo que as tuas palavras malditas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Displicência.

Não, não. Agora é mesmo melhor não falares mais nada. Silencia e observa todos os meus passos soltos nessa terra-de-ninguém, enquanto saio buscando meios que não te tirem do meu caminho.
Só eu sei o horror e a minha má sorte de ouvir as coisas que tenho ouvido. É, só eu sei.

O sossego de se estar só, desacompanhada até daquela dúvida que levava para os interrogatórios delas, das opiniões únicas sobre fragmentos alterados, ninguém me pode arrancar.

Ficou aqui cravado no peito feito espinho lançado e dói e desola e daqui se esvai arduamente toda a sombra de dúvida e receio e vacilação, de modo que o que digo e escrevo são tudo o que há para dizer: é melhor mesmo não falares mais nada, meu bem, não levares adiante nem como responsabilidade ou mérito ou alma limpa ou decadência ou suposições. Fiquei nesse estado sombrio e pra vida voltar só mesmo nascendo surda outra vez...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

vem comigo?


[...]

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado
Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

[...]

{Manuel Bandeira}

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

so long,


não, não é possível, ou é, que sempre eu esteja sendo essa vilã que pintam por aí, não é possível que sendo esta vilã eu me aliene tanto dessa minha dupla identidade.
olha, as coisas têm se tornado cada vez mais insustentáveis e não é de hoje que as cenas acabam sempre pintadas desta forma: do lado de cá a grosseria em pessoa, do lado de lá, as vítimas, criaturas usadas.
Tenho que fazer um belo favor ao mundo e parar de me relacionar com ele?
Então me explica como, simultaneamente, ser você e ser quem querem que você seja, levando em conta o fato de seu espaço ter de ser respeitado, sua identidade, sua candura e bravura e depois seu direito a raiva, decepção e choro contido?
Por onde é que eu começo pra parar de acabar com as coisas quando dificultosamente elas seguem o seu curso normal?
Parece-me, tão só eu sei, que no meio dessa guerra cega, há mais feridas que as minhas ardendo aqui dentro.


[Quando você ler esse bilhete, já estarei na rodoviária.
Quem sabe até na alta estrada, viajei pra um cidade chamada solitária

Cansei de ser joguete cacete]

terça-feira, 14 de agosto de 2012

a big hard sun



Eles vinham deturpando essas estradas, os cabelos agitados, as vozes ofegantes, consumidos na histeria do encontro, mãos amistosas e raras, sorrisos ofegantes da novidade de se reconhecerem outra vez, tinham as mãos soltas, tinham as mãos presas um ao outro, mãos que guiavam e se perdiam nas expressões dos verbos soltos. Seguravam estas mãos quando ela reparou no catavento.

Ele quis dizer alguma coisa de que ela já não se lembra, da qual não pode esquecer-se nunca mais. Ela disse: pausa para olhar o curso da água, ouvir o seu som; ele disse que é estranho ali, tão perto dele, um trejeito seu.
E então ela sorri, dá graça ao saber, que ela teria dito o mesmo se ele tivesse ocultado esse pensamento porque já não se pode calar, uma verdade assim acontece aonde quer que não queiram os demais ambulantes que atravessam a calçada atrás deles.

There's a big, a big hard sun beating on the big people in the big hard world

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Eu não vou poder trabalhar, conversar, descansar sem o teu sim

 
 Para A.L.

Ouça como eu ouço esta canção. Isso, vou te contar o quanto eu sei que a cada dia você vai andar mais os meus passos e que as minhas palavras serão como suas palavras, saindo daí e repercutindo e se estranhando, modificando-se nesse laborioso processo de descaracterizar-se para atingir um ser, uma somatória, um item que agora desconheço e que me foge a imaginação costumeira.
Quando falarem de ti, e enquanto o fazem agora, sabemos que não dimensionamos a quem se referem por exato, quisá saberão os falantes. 
Vou te confessar, explicar que não há exclusividade nisso, dentro do que somos para os outros, nem um pouquinho.
 Mas se eu parasse para pensar mais que viver esses dias no ímpeto do respiro, ao teu lado, não saberia dizer ao certo onde é que começa o que você termina, que eu já tenha descomeçado e mesmo assim nessas horas de desencaixe a exclusividade surge como um mar tempestuoso.

Então ouve, é claro que somos cada qual uma semente,  pássaros rasando o horizonte, duas direções independentes que por hora se sobrepõe. Ouve essa música como você ouve e anda do meu lado pelo tempo que tiver de andar, eu sei que nessas noites frias as nossas confissões de amor serão como um hino, uma mesma língua, essa música que eu ouço como tu a ouves, sem o notar, assim na respiração do momento.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

I think I thought I saw you try

sério que eu podia sentar aqui e montar esse quebra-cabeças com você pra depois fingir que tudo bem a gente desmontar e montar de novo, ou arranjar milhões de desculpas, ou inventar aquelas mentiras bem-contadas dos velhos tempos.
Mas eu me arrumei alguns motivos pra não cair de novo em labirintos vazios os quais, a gente cansa de saber, não darão em nada. E não tendo palavra, não tendo idioma ou afinidade maior pra te explicar que né, a gente lutou até onde podia (mesmo?) e morreu na praia, me pergunto quando foi que repousamos tranquilas desde então.

terça-feira, 31 de julho de 2012

sirius B.

Eu vinha colhendo esse mar de revoltas do passado, carregando o que sobrou de nós ainda nos traços do corpo que se modifica independente de que eu peça pra conservar os sabores dos contatos passados. Eu vinha cabisbaixa rua acima, escalando montanhas de distância de minha essência arredia, perdendo dentes em estado de graça, pedindo constantemente por um pouco de visão nesses teus olhos amedrontados.
esqueci aos poucos de que tua era a carne que ainda me conservava de pé, o rijo costume, o tato aguçado pra me retirar de novo das ruas imundas, por meios que ao lembrar hoje me estremecem os calcanhares.
Quanto mais eu penso nestas ruas como vias que guiem até o passado, mais claro fica o meio por onde recomeçar aquela velha luta encerrada repentinamente.

Você sabe, eu carreguei tanta coisa que não era minha que demorou para ver a luz de novo entre os vãos dos entulhos acumulados. Mas eu aqui sinto que floresço de novo, rumo ao que verdadeiramente me espera; menos alegre, porém menos densa, aceitando o porvir, com tanta cicatriz que fica difícil saber aonde dói menos, aonde você ainda pode tocar, e noto contente que quando começas a enxergar o ponto de partida, o nosso, o de todo mundo, ainda que esteja longe demais para ver a ponta dos portões iluminados daqui, aquela coisa que dá o riso pleno, começo finalmente a rumar pra casa...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

eu vejo.

Tenho dois dos meus olhares voltados para ambos, enquanto no canto do restaurante se amontoam com seus cafés. Estes dois hoje são meus alicerces, mas me entristecem tanto.
Fico nessa paz vazia, nesse canto amuada, tecendo uma hora, um encontro, um papo perdido entre a hora de acordar e dormir. E as bebidas proibidas, e os cachimbos com a fumaça se perdendo no espaço-tempo, parados, extintos nas vontades impecáveis da juventude perdida dia-a-dia, e toda aquela familiaridade de doer no peito quando um deles olha para mim e vê a impossibilidade de me arrastar até onde estão, até a terra-do-nunca e a minha aflição se perdendo em fogo-de-brasa dentro daquilo que me toma sempre: a falta de percurso.
E eu canto solitária da minha janela oposta, eu peço venham falar comigo, eu digo baixinho, eu grito emudecida, eu extravio o que estou fazendo, joguei meus papéis ao vento.
 de repente é ela quem me avista.
Nos seus olhos eu perdi o foco, a palavra dita, precisei escrever pra retornar ao que fazia, mas esse nada-cada-vez-mais-vazio ainda vai me matar.

Esses romances, essas dádivas em visão, sim, visão, imagem, ilusão perpétua que me conduzem a um constante esquecimento do que vim fazer aqui nunca são nada além dessa tristeza de não os ter, possuir, membrana a membrana, célula-tronco do meu ser em expansão, estes amores são estas mesmas xícaras de café isoladas, estas que ao acabarem empoeiram-se fracamente como aquela velha mobília herdada na minha família.
 Então me digo todo dia, nesse espelho soturno batido, que mais um olhar na direção deles me matará subitamente. E é tão certo que algum dia hei de parar, de abandonar, de não mais adornar-lhes as feições com esse meu sorriso bobo. 
[...]
- Ah, eu jogando palavras ensaiadas não presto pra nada. É certo que parte do que vim fazer aqui é perder-me, ainda que sofregamente nos semblantes destes dois e eu já não digo nada.



quarta-feira, 18 de julho de 2012

sob a carne, a rosa

agora que quase não preciso usar palavras para me defender já que segues usando a boca e de outra maneira me tomas, levo esse pedaço que te toca que me esclarece bem no íntimo quando sem pronunciar o verbo tu te materializas ao meu lado, subitamente doce e incandecente, ao ponto de me deixar à flor da pele, rasgando de.
-
e espera, até que a porta feche para dizer o que dizes tão bem sem as habituais palavras. Mas os meus olhos continuam te saldando por debaixo da chuva, passo a cada passo, para dobrarem a esquina te levando comigo pra dentro do ônibus lotado.

- e o que era culpa virou fracasso tardemente mas se conteve numa hora e de súbito desabrochou em rosa,
essa que agora te dou, por sobre o lençol.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Se quer poesia na palavra dita,



vou dizer-lhe como Ela compunha toda a minha vida:
- seu corpo todo era ritmo lento, cujo nome fazia arder o peito. Perdi toda a saliva, umedeci o rosto inteiro, era sol que ardia no inverno, de fazer frio no corpo inteiro. 
[...]
Debrucei-me sobre o caderno envelhecido de onde os versos vinham a dar voltas no pensamento, escolhi para mim
as últimas sílabas compostas: a música que dali ouvi um dia se converteu em gesto e prosa
e perdi de novo toda a noção do tempo quando soprou aquele vento pronto pra mudar tudo de novo, começar tudo de novo, revirar tudo de novo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

revolta.


confesso que te ver ali no meio deles, e ver-me a mim como uma via adjacente mas impossibilitada, ali, perdidas, eu e tu no meio dos dragões, senti o tremor que me consome as mãos alvas. E senti uma saudade tão intensa que, vendo-te, não te materializavas perante esses olhos meus. É que não bastava-me te ver, era preciso ouvir, falar, atentar.
Como se não estivesses tu, também perdida e oscilante, a me olhar de longe, eu pouco te sentia e essa ausência me afugentava o sorriso verdadeiro, feito das manhãs azuis nesse estranho abril despedaçado...

terça-feira, 27 de março de 2012

"eu, eu mesma. e a cabeça cheia de cabelos"



(...) espera.

Entra nesse elevador fantasiando uma nova saída:
todos os dias sorri, apesar dessa loucura transparecer um pouco mais, dia após dia. 
Esse sorriso que leva no rosto é para todos, além de onde se permite ir com essa subida inevitável, para todos os não presentes, digo.
Os demais, uns poucos, ali amuados no canto de trás, deles, sim, o cheiro ocre do trabalho diário, ah sim, o cheiro preenchendo aquele elevador e o sorriso dela. Louca, como só ela, de imaginar-se atravessando subitamente para um mundo desconhecido todas as manhãs; presa, segura, acorrentada à sorte de não estar ali emparedada com os outros, dissonante, esmiuçadamente posta de lado por sua própria clareza em não fazer parte. O contraponto.
Ao passo que o sorriso deles, embora lá muito são e controlado, feito de coisas corriqueiras,  murcha da penumbra dos fatos e ressalta deliberadamente o dela, que me olha, no reflexo onde todos se vêem e a ignoram completamente.

sexta-feira, 16 de março de 2012

I didn' t try to fix you: confissão/desabafo.


Esses meus olhos agora ardem tanto. Tenho febre e um milhão de fragmentos espalhados pelo chão. No meu quarto, quem me dera, encontrarei melhor refúgio entres os escombros das últimas deixas.  

Começo a conflitar nesses vestígios da véspera, perdendo as palavras certas para aquela hora tão errada. Não encontro, não acho, por meio dessa dúvida, uma afirmação só que me valha. Fui mesmo levando essa guerra com a força que já não tinha, que por hora me desespera o fato de nada mais esperar: fico eu cá com os botões a fazer contas de um dia que não acaba dentro da cabeça, essa que lateja e pesa e dói como só a dor de vir ao mundo outra vez.


Procuro. Procuro de novo uma ponta de metal, ferro ou alma que me venha rasgar de uma vez, porque tenho a impressão de que usei as palavras erradas para me colar de novo. 
Desculpa, meu bem, mas estou doente de você, doente de nós e não encontro vez pra ser quem sou sem te ouvir todos os dias desabando uma casa.

quinta-feira, 8 de março de 2012


não que eu não goste dessa dualidade toda mas não me mande flores, garota. Construa um belo jardim pra que eu não vá muito longe de ti nessas horas turbulentas.

terça-feira, 6 de março de 2012

texto de final de tarde.



maior ainda que a minha espera é esse cansaço circundando meus joelhos, e não reluto.
Não importa que tua fala resista ao encontrar os olhos meus, ainda adianto-me com o verbo pronunciado te dizendo que tudo o que há em mim segue seu curso lêntido e adiante.
Prefiri caminhar porque a lentidão com que falas o amor me sobe dos pés à cabeça, num frêmito que não posso de todo suportar. E ainda ouço, distintamente da tua, essa voz aqui por dentro, por sobre meus ombros, no canto da boca, como a mais pura de todas as verdades inventadas e continuo:

Antes tremia do eco dos teus frêmitos, por ora estremeço na curva silenciosa do caminho prolongado.

sexta-feira, 2 de março de 2012

de romantismo


Preciso de maiores palavras que te indiquem esse caminho até mim. Ficamos absortas cada uma na sua, e a vida da gente se distancia a cada nova sílaba inventada. Não quero deixar de seguir os teus passos, apesar do desgosto que me causam os saltos, de hora em hora, entre os graves e agudos do teu crescente desassossego, garota. Há por aí quem pense que me conquiste fácil, há por aí passos que já segui e reluto em voltar a seguir, para não me perder nessa via de mão única. Mas em mim há ainda esse abraço que é teu, esse aconchego-porto-seguro que quero te dar sem maiores explicações e sem fazer caso.

- aceita, vai, a minha mão nessas horas vagas sem fazer porra de pergunta nenhuma.

quinta-feira, 1 de março de 2012

moon



quase deixei passarem, os meus segredos anuviados, quando começaste a falar e minha boca grosseira foi só silêncio. Mas te trouxe até aqui e exigi que foste à beira do rio comigo porque é ali o meu lugar mais íntimo em toda a cidade. Tu não desceste à margem, teu corpo repousou no parapeito e então eu chorei por dentro sabendo que jamais me livrarei dessa lembrança. Mas é que eu tinha de te dizer, eu tinha de te mostrar esse ângulo que a lua me favorece através do teu corpo rígido cheio de donos e donas, e meu ofício foi te imaginar ali, para preencher o espaço vazio de você quando eu tive de voltar correndo para mais uma vida normal.


"As the lukewarm hands of the gods
Came down and gently picked my adrenalin pearls
Placed them in their mouths
And rinsed all the fear out
Nourished them with their saliva"





eu tento,




eu tento, mas não acredito que esses passos sejam tão vãos quanto esse meu sopro de cansaço. Inclinada a deixar toda essa algazarra para trás, e com o coração apertado mais do que esse nó na garganta, me esfarelo quando tua boca diz estas mesmas palavras todos os dias, essas mesmas discussões que nos deterioram. E é porque me sinto tão deslocada, é porque não durmo mais, eu, eu mesma e o meu egoísmo; intensa e humanamente falando: quase me esqueci de como é sonhar nesse último mês.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

$100


eu seria mais feliz se controlasse as lembranças que me pegam de surpresa? eu com certeza não sou mais agradecida por cem reais, caro senhor, mas digo que sim, que agradeço, por educação.
houve um tempo, durante a curta infância, em que eu poderia lhe sorrir agradecendo por uma bala de goma dada de bom grado, num desses momentos que te pegam distraído, tamanha benevolência escapando mãos afora, e eu agradecia, sim, com os olhos marejados de alegria.
mas eu não consigo disfarçar essa tristeza que encharca os meus olhos quando me lembro desses tratamentos na infância e pré-adolescência, ou devo dizer grande parte do tempo?, estes que se contasse a todos, os podres de meu senhor, derrubariam castelos já arruinados esfarelando verdades inconvenientes. Levará então quantas noites e dias, quantas dezenas de anos para me escapar das marcas internas, se cada investida tua, numa cena que jamais existiu sinceramente, me corrói e me lacera, tal como na infância, ao teu bel prazer acontecia? Eu não sei se você finge não lembrar, ou se não lembra de porra alguma, pai, ou devo dizer, você, apenas você, ou sujeito brilhante que arcou com as minhas despesas. Assim como se perde o fio da meada em perguntas muito extensas/intensas, e supondo que eu não conheça tal propósito disso tudo, meu senhor, ando por aí te agradecendo certa de que muito estou errada ou confusa ou submissa: obrigada, pai, por tudo ser assim. Eu vivo esse dilema, quase tão bem quanto me foi proposto viver. Pois ao menos encontro o sossego no desassossego que me tatuasse, porque aprendi a ser assim, e assim sendo, estou em paz, triste e em paz.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

impossibilidade

Nem posso tocá-lo.  Então fique distante por agora. Nossos abraços e sorrisos são nossos abraços e sorrisos. Não é necessário diminuir ou aumentar essa estória. Tudo está aí. Nossos beijos foram tatuados na impossibilidade de acontecer. Essas nossas mãos. Essas nossas mãos são como lágrimas de ansiedade, nossos pés são duas vias de direções contrárias, e as palavras se perdem no caminho. Se eu ficasse mais tempo, saberia me explicar? Eu sei que é um tempo de não se ter tempo, mas fique distante agora e seremos eternos na ausência de nós dois. 


"So tell me when my silence's over, You're the reason that I'm closed
Tell me when you hear me falling, There's a possibility it wouldn't show"


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Desapego

Para J.

Os olhos dela denunciam na falta das palavras corretas, o corpo precisa dizer além do que a boca insiste em calar.
Ela me remete essa dor interior, dor que palpita no gosto jamais imaginado que teria, de tão amargo e rebelde, descendo garganta abaixo.  Ah, sem esse rancor todo, sem essa vertente de mágoa na minha direção eu a veria melhor, mas veja, note que os olhos dela ainda dizem mais do que as minhas palavras e eu não consigo enxergar um palmo à frente além do que seria pior ainda de imaginar, do que chamar o meu nome e não obter qualquer resposta.
Vou deixá-la ali com a mudez nos lábios, passando no outro lado da rua, tão distante das mãos que eu estendo, porque agora é inalcançável buscá-la de maneira lívida. Esse peso que carrega, ela faz questão de carregar sozinha e tudo pode afastar-me dela e nada pode faze-la mudar de idéia, nada pode demova-la. Esse seguir sem rumo é uma trégua passageira sem permissão para acontecer, é ainda a vida dela decidindo-se por meios que me ultrapassam e que nem me cabem decidir.
Então voa pássaro machucado, voa e voando conserta essas asas despedaçadas. Não teria o menor sentido lembrar da angustia agora que reluto nela. Porque não são minhas as revoltas incontidas, deixei estar e não por descaso, foi o peso que me fez largar tão macias mãos...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

inocência.


É justo que os que me precedem lhe digam, tão em perfeito tom, assim, como que apalpando os teus ouvidos, que és amor deles, que deles és a parte mais intacta, a mais amada de todas as feridas.
Vem comigo a esse canto, que agora vou te dizer.

As minhas mãos estão lindas, de tão limpas, brancas. Nunca deixei de segurar com elas as tuas, movimentos sólidos no vento. Mas o que pulsa mais forte no peito não é bem o que quero te dizer explicando, é, sim, aquilo que por mais anseio sem ao menos conseguir em pequenas gotas de verdades te inundar.
Os meus pés separam-se ligeiramente, é que ando meio em desfoque, saltando entre uma rua e outra, cortei os cabelos.
Essas minhas pupilas dilatam, mas não de vícios que não os que guardo profundamente dentro do peito. Levará longo tempo ainda até abrandar esse fluir de palavras que vindos do branco ópio se disparava contra as janelas dos ônibus lotados.
Estou cega e má e feia, mas ainda sinto o verde arder nos meus calcanhares. Tenho mais medos agora, do que quando ao mundo vim pela primeira vez, e fiquei imóvel diante de tanta confusão humana.
Ora saio, ora volto, nada é tão certo quanto a inquietude que me rege. Por hora descanso no teu ombro, como a mais querida de todas as crianças, é que encontrei ali o meu refúgio e não faço pouco caso.

Preciso, sim, do teu abraço, assim de soslaio, repentinamente. E te digo que é de tudo que preciso por agora. Por isso, vá, continue andando, é necessária a tua caminhada. Atravessa logo essas fronteiras do você-não-você e liberta outra vez aquele sorriso solto. Sei que estou contigo a cada manhã que nos sentimos bem, que é mais real esse contentamento diante de uma cura para todos os males do que palavras bonitas numa segunda-feira, e que mesmo esse último já é alegria solta no vento.