quarta-feira, 23 de novembro de 2011

de pequena.

uma fotografia.  Eles estão prestes a capturá-la, essa imagem que eu sou, tão pequena, tão à deriva, estes meus pezinhos usando os sapatinhos que me puseram, esse vestido branco impecável, essa longa fita em volta do pescoço.

Isto é o que vejo: todos chamam Michelle, olhe, Michelle aqui.

E eu só consigo mexer os dedos das mãos enquanto mantenho o rosto sisudo de um futuro próximo. sinto ainda essa leveza de quem não sabe que existe, sinto que colocaram esse cobertor por baixo dos meus pés, dizem que é para que eu não fique com frio, asseguram-me e beijam-me nas bochechas.
O atrito do beijo na face me incomoda, acho que torço um pouco a boca, mas mantenho estes olhos compenetrados.
Dizem então, como em respostas aos olhos, são dois lagos azuis profundos, o mundo há de os ver, serão sempre precisos, mesmo magoados.
Não me lembro de ter pensamento. Tenho dois anos. Dois anos. Não me é o bastante.
Tenho estas sensações, que antecedem ao pensamento, tenho uma vaga ideia do que é a vida, e mesmo assim tudo continua sendo um sonho distante...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

quase, amor.

Mas era porque estávamos extenuados um do outro que continuávamos sendo exaustivos. Era porque já não suportávamos não poder ser além de insuportáveis, que seguíamos com olhos faiscantes e palavras ferozes.
Obviamente era porque precisávamos tanto ir além e não podíamos, necessitávamos desse contato corporal, dessa paixão violenta ao passo que, impedidos por nossa moral e sociedade, nos odiávamos um pouco mais, dia-após-dia, em lugar de amarmo-nos como fomos levados a crer que tinha de ser, por nossas vontades mais inexcrupolosas, ou amantes ou odiantes um do outro.
Essa idéia era fixa, intransponível, era um precipício que nos levava ao desencontro carnal.
Jamais nos foi possível transcender a ideia sólida do casamento, do que ele representa social e espiritualmente, essa lei divinal, essa autoridade imaculada.
E era para nos vermos, era. Então nos víamos, mas tocávamos pouco um no outro, era proibido. Ouvíamos então atentos e moribundos, os nossos suspiros e as nossas palavras, porque eram os nossos suspiros e palavras que tínhamos unicamente.

Duas vezes nos beijamos, duas vezes, e cada um caiu no escândalo de seu próprio martírio.
Esse tabu, devo dizer, é que me impelia a tornar aqueles poucos beijos eternos, antes de ter de transformá-lo, o amor, este amor aí, em algo insignificante, tão banal quanto esta escrita que agora, de certo a ti como a mim, me acomete como um sonho distante, uma confissão negligenciada pelo fluir do tempo.
Digo estas coisas porque é preciso lembrá-las de tempos em tempos, é necessário que eu me lembre de onde vêm certas cicatrizes, certos acontecimentos.

Hoje este vento que me remete é um grito agudo e rebelde por esse amor transformado no acaso. Fala em mim essa voz da revolta, a qual cada verbo não dito no passado me estremece e expõe essa minha indecência moral.
Diante dos homens, da sabedoria falsa e inútil dos homens, eis que me envorgonho unicamente de não tê-lo amado, de não tê-lo sentido junto ao meu corpo, de não tê-lo dado essa carne ardente que tenho entre as pernas, quando lembro de tudo que ainda não vivi...