quinta-feira, 29 de abril de 2010

Falsos Cognatos.



Você está começando a pensar que mente bem, por isso engana a si mesma repetidamente.
Você contracena dentro da própria peça e fala consigo como se decorasse um discurso lógico, sem absolutamente nenhuma necessidade. Você crê que está sorrindo me pedindo pra ficar, me serve de boas maneiras, diz que tudo é sempre começo.
Você então começa a crer que também somos iguais, que é tudo tão óbvio, que não se conta tempo para deixar para trás qualquer motivo de desentendimento repentino.
E você disfarça, diz que vai casar, inventa amores por causa das estórias impossíveis que lhe atraem tão bem.
Depois você também começa a pensar que pode me devolver isso de alguma forma, mas não conta com o que vai ficando pelo caminho por causa do que parece mas não é.
Diz pra eu não inventar uma estória trágica que não nos cabe e me assegura de que nem tudo que é escrito é verdade absoluta, então repete tudo isso para você-sabe-quem.
Quando você fala ao telefone, ouço duas, três versões da mesma obviedade de sempre. Enxergo que não sei quem és, que acima de tudo não quero estar perdida entre ilusões minhas a seu respeito, conforme você também me assegura.
Sei que entre nós, não sou eu que minto que te amo, não sou eu quem fala da boca pra fora, que por mais que eu me esforce, não sou eu quem vai embora no fim da noite.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Anestesia Literal.



Hoje a confusão tomou conta do manicômio. Quando a enfermeira trouxe as drogas do cotidiano dispostas na bandeja azul, olhou-me com ar estranho e instintivamente cuidei para que aquela convicção não gerasse motivo de alerta em mim. Mas deixar de tomar a anestesia não evitou que eu fosse incluída na algazarra inesperada, muito do contrário, fui levada pela urgência da ocorrência como se fosse alvo fácil.
Jack, o garoto dos ombros caídos, dos cabelos ensebados, do andar coxo, cortou os pulsos esta manhã. Uma longa extensão da sala foi preenchida pelo sangue venoso de Jack. Olhei com horror e estupefação para os loucos que gritavam desesperados enquanto andavam em círculos na sala pequena. Foi preciso mais que força de vontade para me manter ereta diante de toda aquela torrente indescritível de sangue e barulho humano.
Quando enfim consegui caber em mim, ajudei Jack estancando os cortes abertos de onde jorrava sangue e dor em profusão. Evitei contaminar-me com os vermelhos ali expostos, mas ao fim de tudo a tontura me alcançou com verdadeira agressividade. A enfermeira irrompeu na sala acompanhada, tinha os cabelos envoltos na adrenalina do instante, por isso estavam como que esvoaçados. Balançou a cabeça diante de minha impotência e ao seu comando fui posta de lado por mãos masculinas muito perspicazes. Não me lembro dos instantes posteriores, tudo está tomado por uma tela branca intransponível.
Só no início da noite ouvi vozes de calmaria, quando já estava tomada pelas mesmas drogas que havia recusado de manhã, então adormeci com o sorriso zombeteiro da enfermeira na cabeça...

sábado, 24 de abril de 2010

verbos pequenos.


Quando minhas palavras te alcançarem, terás o mundo inteiro desabando à frente e qualquer motivo que tenha ficado para trás enquanto nos olhávamos será trazido à tona bem a tempo de você fechar os olhos e balançar a cabeça em negação. Enquanto você precisa ir longe para captar o óbvio das coisas, enquanto você vê mas não enxerga estremeço na curva do caminho esperando que o caos se livre logo de mim nas avenidas, para que minha imagem seja a foto desbotada sobre a mesa, pedindo para ser rasgada a qualquer custo. Quando eu tiver de deixar você ir enquanto já está indo, tudo não passará de um sonho, de um beijo dado no silêncio da noite. Por que não se pode falar de amor comigo, porque não permito que se fale de amor sem ter certeza que isso vai além do alcance das palavras...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

"quebre a cabeça..."




A menina do anel procurou quem encontrar em bares da cidade, buscou mais motivos para fumar mais uma carteira de marlboro vermelho, ajeitou o cabelo e vestiu-se de roupa nova. Pegou seu skate e sorriu diante dos tombos inúmeros que vida dá sobre quatro rodinhas singelas.
Depois se reuniu com pessoas estranhas, dançou com gente esquisita, falou de física quântica nas escadas da cidade como quem fala de um poema predileto enquanto tocavam suas canções favoritas no violão.
Sentou-se à beira do lago, olhou para o céu noturno no parque e quis deitar-se sobre a grama para lembrar-se de como é ter a leveza no corpo num dia de feriado.
À essa altura de tanto ser, a única coisa que desencaixou do quebra-cabeças da vida foi lhe ser conhecido que alguém está para ir embora, alguém que para ela valeu cada segundo desses meses mais recentes, até mesmo quando era para não valer nada. Esse foi o único motivo que encontrou para não dormir sorrindo e para morrer de medo naquela noite.

sábado, 17 de abril de 2010

Por um instante, mãe,

sim, por um instante acreditei poder viver nessa paz solitária por longo tempo, onde ter de buscar na solidez muda das paredes brancas companhia que não as lembranças amontoadas fosse motivo suficiente para começar uma manhã mergulhada nessa paz insana. Depois de desarrumar os armários arranjei desculpa pra me sentir eu construindo aquela cena; e mudar os móveis de lugar nessa busca da casa personificada só me fez encontrar tua voz tremendo na porta de entrada. Assim já vejo que meu refúgio flutuante está condenado a inexistência enquanto tomo mais um calmante e deixo o corpo pesar na cadeira.
Não é segredo que eu não goste de quem trazes contigo, que não resta lugar na minha alma que sirva de quarto-de-bagunças, que a qualquer instante, podendo ser agora ou daqui a um mês, carregarei comigo quem eu sou mundo afora, e que apesar de ter a liberdade entre as mãos e a vontade nos olhos da cara, ainda faria o mesmo se essa casa que ergui nesses meses todos fosse inteiramente minha.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

two



Poderia descrever agora a sensação que tenho entre os olhos da cara, essa neblina que inunda meu ser nessa manhã ensolarada e transborda a existência incerta de dois corpos perdidos no mundo das ilusões flutuantes. Mas o mar encharcou meu corpo, o mar intenso e sem forma ocupa a cena dessa fotografia. Tudo agora poderia ter começado com essa fotografia dos amigos sentados na orla da praia, porque sinto como se estivesse contando os instantes da manhã que começa enquanto vou existindo...


- Deixa a música das ondas tomar lugar no firmamento, leva teu corpo no embalo da maré mas não mergulha nesse mar insensato de estar comigo, porque essa grandeza te devora, meu amigo. Escolhe o que levar de mim para sempre contigo, que esse pedaço há muito te pertence. Guarda esses intervalos de silêncio como a mais duradoura conversação existente entre nós e não te esqueças das horas subseqüentes porque compartilhar contigo meus sorrisos de abril, enquanto essa eternidade nos sucede mansa e irrevogável, só faz gerar motivo para não querer mais nada esta manhã e ser feliz de ter isto.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Hoje não.

Cansei de tanto procurar
Cansei de não achar
Cansei de tanto encontrar
Cansei de me perder

Hoje eu quero somente esquecer
Quero o corpo sem qualquer querer
Tenhos os olhos tão cansados de te ver
Na memória, no sonho e em vão

Não sei pra onde vou
Não sei
Se vou ou vou ficar
Pensei, não quero mais pensar
Cansei de esperar
Agora nem sei mais o que querer
E a noite não tarda a nascer
Descansa coração e bate em paz

[Composição: Simons & Marques / Alberto Ribeiro]