domingo, 21 de março de 2010

Foi em abril?



...quase não me lembro, mas não consigo esquecer de todo. E tu te lembras? Vinhas pela via da direita, eu estremeço à imagem nítida dessa lembrança, vacilo à menor palpitação daquele olhar em plena luz do entardecer quando eu segurava firme o livro que te chamou pelo nome. É como se fosse ontem. Sim, agora me lembro bem. Os teus cabelos eram ainda escuros, caiam ondulados por sobre os ombros e senti a onda de calor tomar meu rosto instantaneamente quando ao meu pensamento teu olhar seguiu minha direção.
A voz. Ainda me lembro da voz, veio quebrando o silêncio daquele tempo, veio sorrindo de corpo inteiro para dizer olá, quem vem por aí, menina do anel? e o perfume, é claro, o perfume que me ocupava noites à janela, sempre entrando sem pedir licença através das muitas cartas que trocávamos insaciáveis.
Não existe método maior que a saudade para ressaltar a importância que exercemos uma à outra naqueles velhos tempos, o lance das mãos tímidas, os olhares vagos, os risos incontidos e as palavras reticentes...
Ouso dizer que não é de todo mal que hoje eu quase não te veja, pois para tudo há esse tempo, esse deslumbramento que precede paixões arrebatadoras de finais de tarde ensolarados, e para tudo há também esse desfecho igualmente violento.
Ainda que não perdure além dos dias contados nos dedos, ainda que não estejas aqui presente no momento do agora, eu sei que continuas sendo, lá no fundo das minhas razões temperamentais, a melhor das noites de inverno, o melhor tempo-longe-de-mim, o melhor desencaixe e a melhor juro de amor feita na estação. Ainda que não tenhamos passado além desse platonismo arrebatador, sinto que vivemos histórias de mil anos em poucas noites de calmaria e viveríamos mais se quiséssemos ter vivido, mesmo em meio ao turbilhão de sentimentos confusos dentro dessa réplica reduzida de nossos dias compartilhados.
No final, creio ser isto o que conta. Não perderia meu tempo dizendo isso às tempestivas ondas do mar se não soubesse que, silenciosa em teu quarto, podes bem ouvir e sentir o calor das minhas petições...

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