Quem é o inimigo, quem é você?
Quando eu termino e tu começas, esse discurso tão bem ensaiado, somos dois protagonistas desarmados, vivendo dos nossos falsos amores e bens-querer.
E quando tu, distante e perplexo, observas os meus passos sumindo nesse horizonte nebuloso, calculo que não é o bastante para cobrir esse nada que fica aqui, quando te deixo só, para estarmos a sós, sem esses corpos em conflito constante.
Como não bastasse essas falas, explicas a sentença usando essas palavras doces, a frieza em voz de veludo, deixando meu corpo em estado febril, e mentes, dissimulas, argumentas as tuas agressões, as discussões, as temporárias afinidades entre esse meu ir e vir de lugar nenhum em tua companhia, uma lembrança que é irrefutável agora, que vai assombrar por um longo tempo. Culpas a mim e aos que a mim se uniram, extrapolas a razão usando um falso sentimento que já não te cabe mais. Ouço tudo atentamente, tendo o cuidado de não te contrariar, para não gerar motivo de perguntas retóricas nessa torrente que salta da tua boca para a minha, em profusão.
Então prossegues, discursas, aumentando a escolha das palavras, contracenas tão bem.
Discursando, não te escapas de mim porque não o percebes, mesmo não o querendo, te rendes momentaneamente e és meu, em redenção a esse sofrimento da impossibilidade de sermos dois, pacíficos embora esgotados.
Mas te empenhas em erguer estas barreiras, manténs o erro destas mesmas limitações que levei dois anos para pôr abaixo. Estás te engrandecendo por nada, ou por mais um punhado de falsas verdades e te acreditas correto e justo nesse teu mundo de significações. Temo por ti, por esses olhos fechados e essa boca entreaberta, temo em grande parte, porque nesse ocaso dos meus diálogos desgastados, já se me escapa o dia em que te encontrarei sorrindo e delirando de saudades, cheia de vontades por nossos desencontros certeiros; e dizendo que já não me ouves, explicando-te pacientemente que a comunicação tornou-se impossível entre nós, confesso-te antes de pensar em ficar, que já é tarde demais para falsas desculpas, que já não compensa mais um beijo nesses lábios de Judas que tens.