segunda-feira, 17 de agosto de 2015

segunda-feira,17 de agosto de 2015.

Durante algum tempo houve um grande recesso em minha produção escrita. Os anos que se sucederam após o vigésimo segundo aniversário, marcados por uma escassez da criatividade, uma falta de vontade, passos perdidos, olhos vidrados em uma vida vazia. Muitas coisas mudaram então. Às vezes sinto que somente o amor provocava em mim essa profusão de palavras. Uma escrita sem regras nem precedentes, essa soltura por vezes amargas, eu sei, agora que revejo cuidadosamente os escritos passados.
O fato é que até início do ano passado, na altura dos meus vinte e cinco anos, procurei motivo pelo qual escrever. Dedicava-me ao garimpo da palavra, intentava fórmulas e desfechos ensaiados: tudo para não evidenciar essa perda terrível que um amor tatua na gente. Contudo, jamais falei de mim abertamente. Utilizava palavras para dar voltas. 

Nesse antigo hábito da escrita que eu tinha, cheguei mesmo a acender um cigarro que ficou repousado e queimou feito incenso no cinzeiro, tornando ainda mais ocre o criado mudo. 
A essa altura, eu já havia largado o tabaco e a escrita. Não havia a menor vontade de repetir os gestos dos anos anteriores. 
Ademais, eu tive dois brandos amores nessa esfera da impossibilidade na qual parece orbitar sazonalmente o meu coração. Sei que tentei muito falar deles quando treinava a escrita. Dizia tudo por entrelinhas, sob regime de censura a que eu comandava meu coração, enquanto somente uma antiga dor tornava-se cada vez mais morna aqui dentro. Isso ou era a vida que eu vinha levando. 
Quando falava dos amores impossíveis, escrevia sobre os olhos marejados de Teodoro, do sorriso enlouquecedor de Luiza. Não é verdade que sejam estes seus nomes, mas se tivessem outros para chamar na calada da noite, eis que eu não os sussurraria de nenhuma outra maneira, sob nenhuma outra entrega.
Quanto a Luiza, se eu tentar escrever acerca dela, direi sempre que eram seus longos cabelos, apesar do branco sorriso, que roubavam a cena. Caíam soltos pelo busto e contornavam os seios, voluptuosos. Direi que fecho os olhos e me lembro que nessa espera para retomar o discurso dos amores impossíveis, eu os notava cálidos, cheirando a rosas amuadas entre um olhar e outro. Os dois amores. Confesso, não sabia se Teodoro me queria de fato, mas sabia que olhava para Luiza com intensidade. A cena era comovente. O olhar singelo que eu devotava em tardes de café. 
Mas os cabelos de Luiza. Ah o sorriso de Luiza. 

Teodoro, não. A voz abafada por debaixo da barba espessa era tranquilizante. Não, Teodoro já era calvo. O corpo magro rendido ao cansaço do vento enraivecido. Tão frágil, tão viril. Eu devia tê-lo dado as minhas mãos para segurar na ansiedade das tardes que se punham. Apenas posso supor as linhas macias e seus dedos nodosos - também fugi deles incessantemente. Cerro minhas pálpebras e ele está estampado diante de meus olhos ávidos.
Rústico, elevava o peito num suspiro oprimido e olhava-me, também, é verdade, sorrateiro com seus cílios alongados. Ajeitava a barba, supunha, decerto, que melhor seria mantê-la reta, puxava-a então: movimentos repetidos e cautelosos. Ah, homens e seus cílios negros, como retém os meus desejos mais sinceros.

Mas o tempo passou e abrandou o que já era morno. As palavras ensaiadas não produziam textos de efeito, enterrei-me no trabalho e guardei todos os meus escritos. Soltando algumas mediocridades nesse tempo.

Penso hoje no amor que tive. Naquele que me tatuou - apesar de minha certa aversão por tatuagens. Deixa eu explicar de novo, daqui a 56 dias completarei vinte e sete anos. Amei muito nesse tempo e fui muito amada também. Tudo bastante sincero e dedicado dentro do que me cabia. Mas quanto a este amor sobre o qual penso hoje, reflito com essa luminosidade que me rodeia: não se trata de como sentíamos, de como eu era amada ou o julgava ser, mas principalmente de como eu me entreguei naquele tempo compartilhado.
Claro, possibilidade esta que está intimamente relacionada com a permissão do outro, com a entrega e com o encontro. Quero dizer, já quis me entregar antes. Houve momentos em que eu gostaria de ter ido mais fundo em meus relacionamentos posteriores, outros em que gostaria de receber mais permissão para isso. Por um motivo ou outro, isso só me foi possível uma vez.

Quero dizer, deve ser isso quando dizem que só acontece uma vez na vida. Apesar de que relacionam ao amor em si - e sou contrária a ideia: amei com intensidade a quem esbarrei no caminho - concordo no ponto em que até agora foi a única vivência de entrega inocente que me ocorreu. E não havia substância alguma para a permanência naquilo. Aliás, recordo-me agora nitidamente, eu queria muito cair fora. Eu queria muito não amar enquanto amava paradoxalmente. Lidei de forma que jamais vivera até então: era alguém que já tinha a outra pessoa. Um verdadeiro triângulo amoroso, com direito a toda dor e caos existentes.

Agora, nessas andanças em círculo da vida, que gira a tal da roda da fortuna, eis que me vejo ali novamente. Não falo de Teodoro e de como ele se tornou desinteressante com o passar do tempo, tampouco da boca trêmula de Luiza. Nem mesmo falo daquele amor que dizia sentir.
Segunda vez na vida em que me falta o ar, e me obrigo a viver uma vida às escuras. 
Parece-me, é verdade, quem alguém zomba desse coração esmiuçado. 



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