terça-feira, 17 de novembro de 2009

"...123. ...123. ...123."

O quarto. Surreal, espaçoso, amontoando-se por sobre seus corpos e os livros, o cheiro deles tomando seus pulmões. Os corpos, estes magros por sobre o lençol vermelho-sangue, desajeitados, ainda muito macios da maciez da juventude, dos odores leves e predispostos nas curvas translúcidas que imitam a travessia do rio. É impossível manter os olhos em algum ponto fixo, até estes se revoltam com a trepidez da fumaça do cigarro. Como querer tocar uma lembrança em vão, com as mãos perdidas nessa verdade eterna.

Ela se desprende, a lembrança se desprende, possui autonomia suficiente para isto, tal como o sorriso acontece ao acaso. Você se conteve no gesto, o tempo está se esvaindo por entre a boca muda num verbo feito de silêncio.

Sabe que não há pronúncia materializada, que os finais felizes são para aqueles que batalham por isto, então os dias pesam nas pálpebras desajeitadas e você dorme, silenciosa, com seus olhos azuis bem fechados, intocada por toda essa beleza que lhe circunda, feita de zeros e uns, de átomos precoces, de positivo e negativo, infinitos nas letras minúsculas, nas entrelinhas do corpo tal como o mantém na memória, e ri do modo como você se esforçou por conservar isto tirando fotografias com a sua retina luminosa.

Você anda através das mesmas ruas, os becos e semáforos familiares, e vai se esquecendo disto. Você deseja altercar, além-mar, um continente que talvez nem seja daqui.
E de repente você se vira, está de costas para o rio, os passos são os mesmos, quem te diria que fizeste o contrário?

Então sorri de novo, e sabe, tem a graça de o saber, que apesar de novembro, abril virá, em outros tempos, sem que você peça e mesmo que se chame por outro nome, perguntará e ouvirá a mesma pergunta em resposta “é, por onde você tem andado?” e saberá instintivamente que pelos mesmos caminhos de sempre sem contudo ser percebida pelo seu amor, tal como você se lembra bem dele agora, com a mesma sensação de tudo ser um começo e com a singularidade de ser sempre aquilo que lhe afoga sob manhãs azuis.

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