quinta-feira, 7 de outubro de 2010

breve estória de Narciso

Dois jovens deitaram-se sobre o areal. O som do mar distante os envolveu de súbito, a paisagem continuou naquela eternidade branda, clara como a neve, a areia da praia clara como a neve. A moça tem cabelos longos, fios que brilham sob o sol de verão mas que são escuros, escorridos, densos como o calor naquele país distante. O outro jovem é um moço de olhos amendoados, ele não tira os olhos dela, todos percebem que ele é seu cúmplice. Ele persegue o vulto do seu corpo, ele a adora, abraça-a. Ela então sussurra para ele, de repente grita. O que ela diz é que ele não ouvirá nenhum som, mais nada esta manhã, além desse eco que sobe do mar no horizonte, ela aponta em direção ao mar. Ele lhe sorri, os olhos sorriem para ela. Ele é Narciso, é o que é para mim, e eu digo que ela repete:


- Você não mais ouvirá o som do piano. E você esquecerá tudo, atém a mim.


A voz, sua voz é doce, mas Narciso nega ao passo que ela escuta dele:


- Você, nunca.


Ela o agarra, com força desesperada, o mantém mais perto, diz aproxime-se. O nome dela é ainda segredo para mim, está oculto, pode ser que nem esteja ao longo do texto, nunca. Ele a obedece, está rendido, cheira seus cabelos longos, repete o gesto muitas vezes ainda.


Depois Narciso dirá que quer cavalgar, ela dirá que a chuva se aproxima, mas que o quer tanto quanto ele, que cavalgar na praia é como um sonho, um desejo de criança. Eles permanecerão no mesmo lugar, é isso, essa estória acontece na mesma imobilidade de sempre, uma nova versão de si mesma no instante em que pára ou segue freneticamente o impulso vital do existir. É verdade que a essa altura o mar terá se tornado turvo, sim, mesclado ao céu escuro, mas o vento levará da praia toda a lembrança dos jovens antes que a chuva caia. E depois choverá por toda a orla, digo por toda a cidade, por toda a extensão do mar.

3 comentários:

Edmar Souza Júnior disse...

Gostei. Suave, aquecido, como todos teus textos, esse também tem vida própria.
Parabéns mesmo.

Beijo

Anônimo disse...

Esse é o primeiro de seus textos que não encontro a motivação por trás....

Anônimo disse...

esse é o intento, não dizer nada enquanto se está falando. parece que por enquanto você foi a única pessoa a perceber.