eu seria mais feliz se controlasse as lembranças que me
pegam de surpresa? eu com certeza não sou mais agradecida por cem reais, caro
senhor, mas digo que sim, que agradeço, por educação.
houve um tempo, durante a curta infância, em que eu poderia lhe
sorrir agradecendo por uma bala de goma dada de bom grado, num desses momentos
que te pegam distraído, tamanha benevolência escapando mãos afora, e eu
agradecia, sim, com os olhos marejados de alegria.
mas eu não consigo disfarçar essa tristeza que encharca os
meus olhos quando me lembro desses tratamentos na infância e pré-adolescência,
ou devo dizer grande parte do tempo?, estes que se contasse a todos, os podres
de meu senhor, derrubariam castelos já arruinados esfarelando verdades
inconvenientes. Levará então quantas noites e dias, quantas dezenas de anos
para me escapar das marcas internas, se cada investida tua, numa cena que
jamais existiu sinceramente, me corrói e me lacera, tal como na infância, ao
teu bel prazer acontecia? Eu não sei se você finge não lembrar, ou se não
lembra de porra alguma, pai, ou devo dizer, você, apenas você, ou sujeito
brilhante que arcou com as minhas despesas. Assim como se perde o fio da meada
em perguntas muito extensas/intensas, e supondo que eu não conheça tal
propósito disso tudo, meu senhor, ando por aí te agradecendo certa de que muito
estou errada ou confusa ou submissa: obrigada, pai, por tudo ser assim. Eu vivo esse dilema, quase tão bem quanto me foi proposto viver. Pois ao
menos encontro o sossego no desassossego que me tatuasse, porque aprendi a ser
assim, e assim sendo, estou em paz, triste e em paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário