segunda-feira, 26 de abril de 2010

Anestesia Literal.



Hoje a confusão tomou conta do manicômio. Quando a enfermeira trouxe as drogas do cotidiano dispostas na bandeja azul, olhou-me com ar estranho e instintivamente cuidei para que aquela convicção não gerasse motivo de alerta em mim. Mas deixar de tomar a anestesia não evitou que eu fosse incluída na algazarra inesperada, muito do contrário, fui levada pela urgência da ocorrência como se fosse alvo fácil.
Jack, o garoto dos ombros caídos, dos cabelos ensebados, do andar coxo, cortou os pulsos esta manhã. Uma longa extensão da sala foi preenchida pelo sangue venoso de Jack. Olhei com horror e estupefação para os loucos que gritavam desesperados enquanto andavam em círculos na sala pequena. Foi preciso mais que força de vontade para me manter ereta diante de toda aquela torrente indescritível de sangue e barulho humano.
Quando enfim consegui caber em mim, ajudei Jack estancando os cortes abertos de onde jorrava sangue e dor em profusão. Evitei contaminar-me com os vermelhos ali expostos, mas ao fim de tudo a tontura me alcançou com verdadeira agressividade. A enfermeira irrompeu na sala acompanhada, tinha os cabelos envoltos na adrenalina do instante, por isso estavam como que esvoaçados. Balançou a cabeça diante de minha impotência e ao seu comando fui posta de lado por mãos masculinas muito perspicazes. Não me lembro dos instantes posteriores, tudo está tomado por uma tela branca intransponível.
Só no início da noite ouvi vozes de calmaria, quando já estava tomada pelas mesmas drogas que havia recusado de manhã, então adormeci com o sorriso zombeteiro da enfermeira na cabeça...

Um comentário:

Anônimo disse...

Pensei que fosse apenas loucura, porém posso ver a verdade por trás das palavras. Ou de algumas palavras....