quarta-feira, 29 de abril de 2009

"É. é para ti"

A retórica é verdadeira
mas cheira à hipocrisia
O vão desse teatro largo
interpreta um verso
quebrado de poesia
E é demorada a tua partida
faz-me de mim roer
as unhas, abatida
Tendo isso como único
vício irreparável
Tu estás para mim
assim como
Os pássaros estão para o mar
Nunca aceitável
flácido
incoerente
Irredutível, imastigável
Tanto que já não me desces
garganta abaixo
Por favor... não faças caso
amontoa-te nas costas
aquilo que te pareces ser
E vai.

sábado, 25 de abril de 2009

"Decisão"

Dia nublado: dia cinzento
fico de mãos bobas
esperando o leiteiro
o gato de uma orelha
lambe a pata cinza
e ardem brasas em chamas

lá fora, vão ficando amarelinhas
as folhas da trepadeira
uma fina fita de leite
embaça garrafas vazias na janela
nenhuma glória provém

duas gotas se equilibram
numa verde envergada
haste da roseira na casa ao lado
ó se arca de espinhos
o gato afia as garras
o mundo gira
hoje

hoje não irei
desiludir meus doze engalanados examinadores
nem cerrarei meu punho
na ironia do vento.

(Sylvia Plath)

Traduzido por Elson Fróes(in jornal POIESIS, nº 38, Brasil, l996, pag. 7)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

"Shhh!"



o teu silêncio fez-me inventar uma vítima.

o espelho quebrado se rebelou
fez a garganta abrir-se tanto para engolir o ar
que pensei estar muito próxima
de ficar afastada.
e pensando, matei-me também.
fui deitar meu espírito nas nuvens
onde o fim se estendia, lêntido e sem sentido,
como um tapete vermelho complacente.
mas não é com intenção de ser-te agradável
que digo voltei.
não é para que suspires a minha volta nem para
que possas te lamentar de minha repentina partida.
voltei não sei porquê.
e antes que te veja quebrar o sigilo das respostas flutuantes
hei de ver-me arrancar de mim os cabelos
ou enterrar muitas outras vítimas no jardim.
e talvez
só talvez
não haja entre os fatos aí esparramados
um voltei.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

"Se queres rir"








Para J. T.

Se te ris
Ria. Que a vida tem sido uma comédia.
Mas não ria de mim, não com a intimidade que acreditas ter.
Foste também, como eu fui, parte de algo grandioso demais para caber sequer na ponta da língua.
E não cabe a mim tornar isto tão sólido quando já não passa de um sonho distante.
Não precisas voltar mais. Creia-me. E não voltes.
Por que se queres que eu termine algo quando não temos mais nada sequer para terminar, podes te rir de tua própria insanidade. Que eu, já aborrecida e desapontada com a rotina, rio de tudo, sem o mínimo esforço. Não falta muito para rir-me de ti enquanto chama-me louca.
Tanto tempo perdemos nas entrelinhas que eu cansei-me até de continuar as ladainhas do amor impossível. Ah, se me fazes falta? Como qualquer um que tenha durado o tempo suficiente para fazê-lo.
Mas não estás no centro das atenções, não estás nas estantes, não estás entre os meus penduricalhos. Nem estás.
Porque nunca estivesses além das cartas escritas. Nunca te esforçasses para ser mais do que o amor platônico.
Dei-te a oportunidade e a mim também. Não nos rendeu nem mais de uma noite. Uma noite. Queres rir de algo? Ria disto, porque rindo-me pude secar as lágrimas com o passar do tempo.
Não vês? Não temos nada para terminar aqui.
Nunca tivemos.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Borboletas aquarianas"



Letras maiúsculas num papel rasgado deixado de lado. Com marcas tênues de um sentimento forte. Que me arde. O cheiro arde como arde nas narinas o inverno.
Ouça o barulho dos papéis quebrando. Quando tu acendes o teu cigarro, pálida, leve, tão você que eu fui me viciando, tenho borboletas no estômago. É. E não é de todo ruim. Também pudera, de que me vale a vida se não estou lá? E os passos no chão, o que dizer destes? Pra quê serves, ó criatura humana, senão para serdes o melhor que podes ser? E as asas? Falemos delas: nós estamos aqui sobre a terra para aprender a ter asas.
Quando caminhava nada em mim deixava. E o sorriso tão opaco havia ficado, que quando o arrancaste de mim, atordoada e trêmula, esbocei o melhor que sabia fazer. E não sei o que em mim te convenceu de que ainda existo. Existo entre a luz cinza do céu azul claro. Mas eu havia me esquecido disto. É, tinha permanecido tanto tempo em mim, que me esqueci de voar.
Ora, sabeis que sou passarinho. Pois então, imagina-te um pássaro enferrujado. Assim o era, antes de ti. Diria até uma borboleta. Eu era. Ou sou. Não sei...
Mas se te perguntarem, e se puderes perceber, diga-lhe ao vento, esse meu amigo tão confidente de inúmeras horas vagas, qual das criaturas sou. E sejas tu meu céu. Ou voa comigo, se puderes.
Mas escreva-me algum dia. Não para mim nem por mim.
Escreva-me num papel amarrotado e deixe que o vento o carregue para longe.
Ou ainda, ponha-me amarrotada em uma garrafa e lança-me ao mar. Hei de caber, se for eu uma borboleta.
Mas, visto que já sou tão eu, não deves entregar-me a mais ninguém agora que já sou tão tua.

terça-feira, 21 de abril de 2009

"Um vislumbre do fim"



“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”

Textos extraídos do livro Aprendendo a viver, Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

"Faça existir"

Não me sinto bem.
É só a hora não passando de novo.
Eu não quero ser como você.
Mas estou viciada demais
Para cair fora.
Que droga.
Não diminua isto.
Não carregue nada além
[Do grito interior]
Não se lembre de mim
Esqueça-me!
Ou rasgue-me em pedaços
magoe-me.
Faça-me um zero
Dilacere meu coração
Engula todas as palavras que eu digo
[torne eterno do jeito que for possível]
Cole-me em você.
Vá amontoando nossos beijos
Eu me sinto ridícula
Apaixonada de novo.
Mas, oh, eu posso voar.
Que droga.
Não sem você.
Dessa vez eu levo alguém
comigo.
Vamos lá,
Faça arder.
Diga.
Doa.
Doe.
Desmanche, destrua.
desconsidere.
Porque independente do que tu faças
o céu vai ser
Sempre azul
Dentro de mim.

"Poema sem nome"

Sinto a pele
macia.
Sinto o deslize
de firmes lábios
depois o cheiro
viciante
o corpo pesado
e a alma leve.
sinto que até mesmo
as letras minúsculas têm sentido certo
quando quero descrever o temperamento
desses dias.
não, eu não tenho mais palavras.
Só não pare agora.
Não pare.
Podemos ficar aqui
até acertarmos o traçado
das iniciais em letras de forma
na parede da vida.
Você só precisa me dar a mão.
E aceitar uma criatura perfeccionista
de sobra.
Nós não temos sexo
nem parecemos um casal.
não somos nada.
Depois a gente decide o ser.
É.
Mas não te acalme do meu lado
Necessito-te inteira
Pulsante,
rebelde, se desejares.
Tenho pressa de mostrar-te o céu
antes desse azul desbotar
sem querer...

terça-feira, 14 de abril de 2009

"Tu"




Há uma garota em meus pensamentos
Uma garota.
Deus me perdoe
Há uma garota aqui dentro

O sonho de hoje:
Muita neblina,
Corpos que dançavam suspeitos.
Esbranquiçados. Desatentos...
Eras tu mais uma vez.
e a tua mão na minha.
E meu incontrolável ato de te tocar
[...]

"Se eu não achasse isso tudo tão começo..."

Me abrace
Só me abrace.
Porque eu sou um corpo estúpido
Que sente falta de ti
Me beije.
Só me beije...
Porque eu quero voar contigo
De novo
[e não me proíba de o querer]
Porque teu cheiro, calhorda
Inebriou-me de tal maneira
Que eu me sinto tão assustada e
Vulnerável.
Porque minha boca só treme
É da falta da tua na minha

Eu que tentei tocar-te inteira
Com as palavras
Me senti tão... nua
E querendo gritar-te aos ventos
Como quem encontrou assim
[derrepente] o sentido da vida
Guardei-te em mim.
E não disse uma palavra.
Parecia que todas se tinham afugentado
De mim naquela manhã azul.

Eu que nem ousei beber
Por sentir tanta sede de ti
Senti tanto medo
Que a inocente da água
levasse embora
Teu gosto em mim.
E enlouqueci
Enlouqueci.
Conversando contigo
Mesmo que não estivesses aqui.
Abri tantas vezes a cortina
Pensando que me esperavas
E guardei teu lugar na mesa
Cúmplice de tua ausência

Que para mim os outros soaram estridentes
A me chamar a atenção
Mas eu sabia que só podia estar
Em Um único lugar
Lá onde as promessas foram feitas
Como quem colhe flores
Na primavera
E os desejos sobressaem às folhas de papel

quinta-feira, 9 de abril de 2009

" Sobre o que eu deveria ter feito"



Quando seus olhos encontraram os meus

Uma palavra foi dita em silêncio
Eu ouvi Bach naquele instante
Estava ali,
sólido
Irresistível.
Seu corpo esparramou-se levemente
sobre a cadeira.
[Não era eu ali?]
A mesa, o poeta e o espelho
Escreviam torto em retas linhas
sobre o que eu deveria ter feito.
Reticências.

Reti-cências.

Eu devia é ter ci-ên-ci-a.
De que não se abrevia
Uma vontade assim.
use reticência e torne tudo mastigável.
[E não prometo que vá engolir mesmo assim]
Por isso a existência desse
item interrogatório
num fim de tarde agonizante tal qual este.
Sobre o que eu deveria ter feito
Quando seus olhos encontraram os meus...

(para a menina dos óculos de Harry Potter)

terça-feira, 7 de abril de 2009

"Tudo o que é permanente"



A vidraça quebrada
Na esquina da vida
A prostituta enclausurada
Na rotina
Um homem rico
perdido no Bairro da Liberdade
O mendigo ali esparramado
Estorvo
da humanidade
o alfaiate sonhando tenramente
o bêbado que acredita-se poeta
a liquidação no grande shopping
um poema barato tal qual este o é
o aguardente esparramado na mesa do recém
divorciado
as juras de amor encaminhadas às amantes
em bilhetes amarrotados
o jovem brincando de traficante
a fome
as armas
os tiros
as mortes
depois alguém que os escreve
alguém que os lê.

[...]

Se me perguntassem tudo que é passageiro:

A vidraça que foi quebrada
no cenário da esquina da vida pela
prostituta enclausurada
Na rotina, pensando quem sabe talvez largar esta vida
(sem contar as inúmeras vezes as quais ela desejou se matar)
Um homem rico
perdido no Bairro da Liberdade, pensando em como se desculpar com a família
Ele, que faz ou não parte das juras de amor em bilhetes amarrotados
Do incidente
do aguardente pingando da mesa,
Do divórcio flutuando na visão turva do bêbado que
acreditando-se poeta compõe poemas mais baratos
Que a liquidação no grande shopping onde
o alfaiate,
sonhando tenramente em colecionar muitos pares de verdinhas
nem sabe que o jovem traficante planeja assaltar
[A manhã]
De manhã, às cinco em ponto.
Por culpa da maldita fome nesse país ordinário
Onde quem dispara o tiro acredita-se vivente
Desapercebido talvez
de calor sólido
certamente indiferente
àquele que morre à sua frente

depois alguém que os escreve esperando que alguém
volte pra casa, para o antigo quarto de casal
com as malditas palavras na boca
de um “eu te amo” tão bem decorado ao longo dos anos – e gasto
feito sola de sapato muito usado -,
que faz os humanos pensarem que estão indo bem,
apesar de tudo.
E o mendigo ali esparramado
Sentindo-se estorvo
da humanidade, sim, é claro.
desejando nem um prato de comida
tendo a ambição única de saber ler
um poema barato como este aqui.

"O beijo eterno"

O rosto
Contracena
Rígido.
Até virar pó na lembrança
Da menina do balanço
alado.

Enquanto ao lado
Os lábios dançam
Escorregadios entre si
Estalando beijos tenros
Sob a luz vermelha
Do pátio do sanatório

O prédio range, desbota
se diverte
O guarda-pó está amarrotado do supervisor
Que incrédulo fez arderem os dedos no braço da vítima
Você não devia sair do quarto, mocinha.
Volte para lá.

A anestesia desce, ladeira abaixo.
O corpo pesa, flácido
O rosto adormece em plena luz.
Os lábios estão cerrados.
Eis aí a dádiva do louco nesse exílio flutuante:
Um beijo se torna eterno sob a luz vermelha.

"Você quer me conhecer?"



Então que esteja lá
Quando eu chegar correndo
Trazendo flores desenhadas
Num papel pardo com batom
[E que possa ser tênue comigo
Compreendendo que eu não levo jeito pra nada]
Que acabo de sair do ninho, sou um pássaro
Desajeitado

Que entenda meu silêncio ensurdecedor
Que me dê a mão na esquina
Onde o jovem se matou enforcado
Desiludido de amor, coitado
Eu que nem durmo sozinha
Passando a noite
Como quem passa na vida

E depois do cheiro ocre
Da fumaça do seu cigarro
Talvez eu seja um domingo cinza
Tentando colorir sua vida
Ou talvez que eu seja
O desenho que você pinta
Na rotina, assim, esmorecida
Pelo tempo dos seus problemas inúmeros
Que de números me fizeram desaparecer
No desejo antigo
De você querer me conhecer.

Porque eu fui ficando aí
Entre a sombra e a névoa
Perdida, confesso
Entre ser quem eu sou
Ou ser quem você quer conhecer.